Por Samuel Soares
Nasci pobre, filho e neto de dependentes do álcool. Poderia
ser que meu destino estivesse selado: mais um operário “borracho”, cheio de
filhos e com uma esposa exausta e precocemente envelhecida a suportar tudo. Até
um determinado ponto na minha existência, fui sendo levado por essas águas:
comecei a beber ainda criança e, consequentemente, tornei-me dependente
alcoólico ainda nessa fase da vida. A mecânica da profecia autorrealizável tinha me tragado, e
eu ia repetindo uma história muito conhecida nos grupos de autoajuda: vivia
perdendo emprego, amigos, dinheiro, e acumulando conflitos com a família –
minha mãe não morreu de tristeza e desgosto por seus próprios méritos.
Até os trinta e sete anos, minha vida, foi uma montanha
russa: subindo e rolando ladeira abaixo, até um ponto em que mudar se tornara
uma questão de vida ou morte – ninguém precisa nem deve chegar ao limite que
atingi para “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”, nas palavras
de Paulo Vanzolini – pode ser tarde e, no meu caso, quase foi.
Aceitação foi a palavra mágica que transformou minha vida
radicalmente: aceitação de que eu era dependente químico. No instante que
assumi isso, reconheci que tinha que me livrar dessa escravidão. Assumi as
rédeas do meu destino, apoiado na família, em alguns amigos sinceros, no AA e
na Gnoses. Outros encontrarão apoio em outros grupos, o que importa é tê-los,
pois não se sai dessa escravidão de uma vez, nem sozinho – mas para mim foram
esses, que me ajudaram a dar um novo rumo à vida.
Confesso que morri é o relato de uma longa morte, que interrompi aos trinta e sete anos de idade, quando renasci. É desse renascido tardio este relato, que espero servir de vacina aos que ainda não foram atingidos por essa doença gravíssima, e de alerta para os riscos do uso e abuso do álcool aos que já têm acesso a ele – essa droga legal e devastadora, que quanto mais precocemente se instaura, mais estragos promove, deixando atrás de si um rastro de sofrimento ao longo da vida.
Samuel Soares
80 páginas
E viva e viva, ao relato de um amigo, com quem percorri, esses insondáveis caminhos,de vida e morte, mais vida vivida, que morte narrada,outras vias, possibilitam, outros cruzamentos !
ResponderExcluir