Editora Serra Azul: julho 2019

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Triste Arlequim

SONETO 50

Pobre tem essa mania
De querer sobreviver.
Isso fode a burguesia
Que quer vê-lo se foder.

O pobre não avalia
O direito do burguês
De extrair-lhe a mais-valia
- Quem ele pensa que é

Pra ir vivendo assim
Sem mais aquela
Principalmente sem dindim?

Ah... pobre matusquela
Você é o Arlequim
No carnaval das feras.

19/03/18
Ilustração: Juam Miró. O Carnaval do Arlequim

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Dá pra ser boçal sem ser burguês

SONETO 49

O capital te usa e descarta

Quem quiser se iluda

Com a conversa fiada

Dos shopping centers da vida.

A vitrine sempre enfeitada

Esconde a realidade dura

Da balconista obrigada

A sorrir sua angústia.

Pra defender o capital

Tem que ser capitalista

Ou então muito boçal.

Mas do burguês o boçal não dista:

Nenhum dos dois tem moral

E cada qual é a seu modo fascista.

17/03/18

Ilustração:Igor Morski.

Pague pra respirar

SONETO 48

O ar, ah, o ar, como é bom respirar
Vai chegar o dia
Em que a burguesia
Vai nos tirar.

Vendido em bombinhas de inalar
Em doses super michas
Aspiraremos em horas fixas
O que pudermos pagar.

Pedintes ficarão nas esquinas
Com suas máscaras na cara
Mendicando sopradinhas.

Assaltos à mão armada
Por oxigênio serão rotina
Vão achando que é piada...

17/03/18
Ilustração: Igor Morski. O mundo atual.

Dá raiva, mas dá pena

SONETO 47

Pobre que come na mão de patrão
Não passa um dia sem sonhar virar um.
Nó cego, pensa que lambendo mão
Vão lhe dar um osso pra roer no fim.

É destino certo desse cudum
Arrastar-se humilhado pelo chão
Enquanto o patrão lhe chuta o cu
Inchado de levar tando bicão.

Dá raiva, mas da pena desse bosta
Que, afinal, também é trabalhador
O excesso de ambição espanou a rosca

Do único parafuso de sua cachola
Cada vez que aperta fica pior
Porque ele roda, roda, roda e... solta.

17/03/18
Ilustração: Pieter Brueghel: Mundo traidor.

Obra do capitalismo

SONETO 46

Tivesse eu o dom da alquimia
Ou algum dindim na carteira
Transformava aquela mina
Roída até a caveira

Nalgum tipo de rainha
Mas o crack é foda, enterra
Toda beleza, ainda viva
Desenterrar é uma quimera.

Quem dera voltar no tempo
Dessa mina ainda criança
E desviar o seu roteiro.

Onde errou o mundo inteiro
Que o resultado é essa moça
No mais fundo desespero?

16/03/18
Ilustração: Goya. Saturno devorando um filho.

Cuzão

SONETO 45

Se um pobre é cordato, paga
Caro o pão de cada dia.
Bom cabrito é o que mais grita.

O acomodado com nada
É um tipo de parasita
De fraqueza elogiada.

Se ocorresse de ele ter
De brigar pelo que é seu
Fingiria que morreu
Para não se aborrecer.

Prefere, o cabra, sofrer
Na língua o amargo fel
Do que cuspi-lo no fariseu
E mandá-lo se foder.

16/03/18
Ilustração: Péricles Maranhão: O amigo da onça.

Sonhar tem que ser pra já

SONETO 44

Batalhar, batalhar, batalhar
É a vida do trabalhador
Pouquinhas gotas de seu suor
Ele consegue acumular.

Uma gota lhe permite sonhar
Com um mundo encantador
Outro gota lhe permite supor
Esse mundo para já.

Que graça haveria em sonhá-lo
Para um eterno depois?
E depois... o depois é longe demais!

Sonho adiado a traça rói
E na poalha que sobra desse sonhar
Não se vê sequer réstia de quem sonhou.

12/03/18
Ilustração: Ricardo Carpani. Os muros da revolução (arte muralista).

Reacionário sabonete

SONETO 43

Há quem pose de liberal
Pra não sair, na foto, de reaça
Como se o liberal não fosse um cara
Cheio de preconceitos e coisa et al.

Entre os de esquerda ele faz piada
Sobre a praga da burrice nacional
Mas entre a direita seu prato principal
É essa esquerda "burra de pedra".

Julgando que engana alguém
Com sua conversa escorregadia
Não se dá conta de que melhor faria

Se não tivesse boca, pois a quem
A tem assim tão cheia de patifaria
Só resta vomitar o que não engoliria.

11/03/18
Ilustração: Hannah Höch

Saravá

SONETO 42

Carnaval e futebol, coisas de vagabundo,
Foram feitos para mim
Ainda que eu fosse perneta, cego e mudo,
Curtia um... e o outro também.

Quero mais é que se dane quem
Vive a vida carrancudo
Prazer em sofrer é pra quem tem
Um puta espírito de porco.

Meu negócio é dar risada
De ponta, meia ou no banco
De reservas, tanto faz.

De arlequim também me apraz
Não passar a vida em branco.
Vivo a vida. Viva a vida! Saravá.

04/03/18
Ilustração: Picasso.

O pobre é mais que a burguesia

SONETO 41

Se tudo na vida do trabalhador
Fosse dor, sofrimento e cinzas
Faliriam todas a fábricas de pinga
E Quando lhe viesse um filho não sabia onde pôr.

Por mais que lhe torne um estupor
A vida, nunca lhe vence a burguesia
Que torra sua grana em putaria
Mas nunca saberá mesmo o que é o amor.

Com um pouco de cana o pobre faz
Um samba, um forró, uma banda de jazz
E vai até de manhã sacudindo a caveira.

E se não for picado pela mosca varejeira
Da boçal moral da classe burguesa
Dá conta de sobra de filhos, netos e muito mais.

02/03/18
Ilustração Kathe Kollwitz

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Todo o mundo é filho da puta?

SONETO 40

Quem diz serem todos no mundo corruptos
Usa de malandragem pobre de esperteza
Pra justificar sua própria safadeza
Mais honesto seria subir numa ponte
E se jogar dela com uma pedra na cabeça
Amarrada firme e forte.

Mas o covarde que nesse lero-lero se esconde
Nunca vai deixar que aconteça
De a honestidade lhe picar nalguma parte
Porque sua hipócrita moral burguesa
Se é toda estropiada de nobreza
Não falha em vício de classe um só minuto.

O serem todos filhos da puta
Inocenta o burguês de ser o maior de todos.

02/03/18
Ilustração: George Grosz: Rua de Nova Iorque, 1932.

Chega uma hora que pá-pum

SONETO 39

Um jovem pede esmolas
Na porta da padaria
Forte como é não demora
A tomar na base da força
Aquilo que a tosca burguesia
Do Tatuapé não lhe dá na boa.

Tanto na barriga ferroa
A fome, que mais ou menos dia,
Ela se enche do nada na boca.
Da vontade cega, surda, louca
Pra resolver na porradaria
A parada, ele vai lá e mete bronca.

Acaba morto na mão da Rota
Mas deixa no assoalho da padaria
De sangue de bacanas uma poça.

02/03/18
Ilustração: George Grosz

Ser espinho é bom

SONETO 38

Quem quer ser submisso
Que aguente o relho
E morra de velho
Ajoelhado no milho.

Obedece quem tem juízo
Diz sempre aquele
Que vai morrer de joelho
Confundido com penico.

Mil vezes prefiro
Ao bovino "cidadão direito"
Aquele que tem no peito

O eterno coração irrequieto.
O primeiro não vale um peido
O último é duro espinho.

1o./03/18
Ilustração: George Grosz

Mãe de todas as demolições

SONETO 37

Eu bem desejei um dia ser marreta
Pra por a baixo carradas de coisas
Nessa época eu batia muita punheta
E minha cara de espinhas era rota.

Invocado com a porra toda
De saco cheio com tanta mutreta
Meio comuna, meio punk, achei sopa
Zoar o barraco dos caretas.

Porém de tanto levar na cara
Um belo dia acordei palavra.
E foi com alegria tri-puta

Que descobri muito mais hirsuta
Do que qualquer ferramenta dura
A palavra - mãe de todas as marretas.

1o./03/18
Ilustração: Lissitsky, 1919.

Alma podre palavra alguma salva

SONETO 36

Suas ideias fedem um horror
Quem foi o idiota que lhe disse
Que espalhar tando fedor
Faz alguém inteligente?

Palavras sujas podem conter
De beleza altíssimo teor
Porém de espírito tão doente
Toda palavra um é estupor.

Sua alma é um vaso cheio
De de diarreia de peixe podre
Nauseando tudo com seu cheiro.

Não há perfume no mundo inteiro
Que disfarce o lado de dentro
De quem tem o dentro horrendo.

1o./03/18
Ilustração: George Grosz. As danças do homem cinza.